Período de isolamento aumenta a ansiedade nas pessoas, que buscam formas para amenizar as tensões do dia a dia

A pandemia do novo coronavírus mudou a forma de convívio e o relacionamento entre as pessoas. Viver por muito tempo confinado em casa alterou rotinas, impôs novos desafios e está afetando a saúde mental de grande parte da população no Brasil e no mundo.

Em Curitiba, a psicóloga Adriana Cancelier confirma que a pandemia da Covid-19 contribuiu para aumentar o número de atendimentos que realiza. “As pessoas estão me procurando muito mais, estão desenvolvendo muita ansiedade, nunca ficamos tanto tempo com a gente mesmo, vendo às vezes coisas que não queremos ver em nós. E a ansiedade contribui para ampliar outros problemas como a insônia, a compulsão e os casos de depressão, que também pode levar a suicidios”, destaca.

Ela lembra que o período confinado em casa obriga muitos a lidar, ao mesmo tempo, com a família, o cuidado com os filhos, os afazeres de casa, e também com a questão do trabalho, o home office. “É difícil esse dia a dia isolado. Muitos precisam dar atenção às crianças, que devem fazer atividades, estudar e brincar. É preciso se adaptar, criar novas rotinas, principalmente para o trabalho, criar um ambiente diferente para evitar distrações e o estresse”, confirma.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), desde 2017, o Brasil tem o maior índice de pessoas com transtornos de ansiedade em todo o mundo, com quase 19 milhões de afetados, cenário que piorou ainda mais com a pandemia da Covid-19. Reportagem recente sobre o tema do programa Fantástico, da Rede Globo, informa que o Ministério da Saúde está realizando uma pesquisa para avaliar a saúde mental dos brasileiros, com participação de mais de 17 mil voluntários. A primeira etapa, organizada nos meses de abril e maio deste ano, levantou um dado alarmante: 86,5% dos entrevistados estavam enquadrados em algum tipo de ansiedade patológica.

Segundo outro estudo, publicado recentemente pela Fiocruz e realizado no Brasil e na Espanha por pesquisadores do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz), Universidade de Valência (Espanha) e Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS), sintomas de ansiedade e depressão afetam 47,3% dos trabalhadores de serviços essenciais durante a pandemia de Covid-19, nos dois países. Mais da metade deles – e 27,4% do total de entrevistados – sofre de ansiedade e depressão ao mesmo tempo. A pesquisa foi feita pela web no início da pandemia na Espanha (entre 15 de abril e 15 de maio) e no Brasil (entre 20 de abril e 20 de maio), com quase 23 mil questionários preenchidos.

Adriana revela que a ansiedade está afetando principalmente os mais jovens, muitos acostumados com um estilo de vida fora de casa, com muito contato com os amigos, um universo todo particular. “Essa geração teve que se adaptar ao que não estava acostumada, voltar à rotina familiar”, informa a psicóloga. Mas ela também destaca que essa volta tem o lado positivo de resgatar o ambiente de família, de almoçar e jantar juntos, de conversar mais e se conhecer melhor, o que estava sendo perdido nos últimos tempos.

Terapia e atividade física

Para enfrentar a ansiedade e o estresse, muitas pessoas estão buscando tratamento através de terapias. Ao mesmo tempo, também decidiram realizar uma atividade física para ter um melhor condicionamento e qualidade de vida.

O empresário João Anzolin diz que a pandemia teve um impacto profundo em toda sua rotina profissional e pessoal. “Tenho muitos familiares no grupo de risco, então minha vida pessoal também sofreu as consequências – me privei do contato de familiares, abriguei alguns para que eles se mantivessem seguros isolados. O apoio e o suporte da família e dos amigos e mais contato com minha filha de 2 anos foram e estão sendo fundamentais para enfrentar os problemas”, afirma.

Para ajudar ainda mais nesse momento, ele passou a se exercitar para combater o estresse e manter a forma. “Naturalmente, em casa, perdemos hábitos saudáveis, bebemos e comemos mais. Realizei um desejo antigo de ter uma bicicleta e agora faço passeios semanais. Faço também caminhadas e corro na rua e em alguns parques, quando eles estão abertos. Meditação e alongamento em casa também têm ajudado. Temos conversado ainda muito mais com amigos e familiares via videoconferências e encontrado amigos vizinhos”, confirma. Para ele, essas atividades são fundamentais para a mente. “Elas ajudam a arejar, espairecer e não ficar pensando tanto na pandemia e nos seus efeitos”, completa.

O isolamento social também afetou o dia a dia da jornalista e assessora de imprensa Vanina Machado. Ela convive com o marido e os enteados, e está trabalhando em casa desde que a epidemia da Covid-19 começou. “Foram várias fases no isolamento. Nos primeiros dias, a gente não tinha muito conhecimento e nem a dimensão exata de como as coisas seriam. Então, tentei ser prática e me manter calma para poder lidar com as crianças, que ficariam sem aula e mais tempo em casa. Logo depois, passei pela fase do cansaço e do esgotamento físico e mental, pois tive que assumir vários papéis ao mesmo tempo”, explica.

Ela começou  a se exercitar como uma válvula de escape para as tensões. “E precisava cuidar mais da minha saúde. Afinal, atividade física ajuda o sistema imune, além de fazer muito bem para o corpo e para mente”, confirma ela, que faz treino HIIT (Treino Intervalado de Alta Intensidade) em casa, pelo menos duas vezes por semana, e ioga em estúdio, uma vez por semana.

“Essas atividades têm me ajudado muito. Acho que se não estivesse me exercitando durante todo esse tempo que estou em casa estaria muito mal. Trato a depressão com medicamentos desde 2018 e, no início da pandemia, tive que aumentar a dosagem. Mas, agora, já estou diminuindo novamente. Com certeza, não ter abandonado a prática de exercícios físicos me ajudou muito a cuidar da saúde mental”, afirma a jornalista, que, nos primeiros meses da pandemia, também participou de sessões de psicoterapia on-line pelo WhatsApp.

A psicóloga Adriana Cancelier confirma a importância do exercício físico para atenuar os efeitos do isolamento. “Ele libera as tensões, dá uma sensação de bem estar, te deixa mais atento. E quando se torna um hábito, você se sente ainda melhor e acaba sentindo falta dessa sensação quando não faz a atividade física”, lembra.

Ela também ministra terapia a seus pacientes com a prática de mindfulness, que ajuda no tratamento da ansiedade. Segundo ela, o mindfulness é a habilidade de focar a atenção no momento presente, sem se distrair com pensamentos e preocupações sobre o futuro. “Para o ansioso é um desafio, pois em um mundo extremamente complexo, imediatista e repleto de estímulos, o estar atento no aqui e agora requer prática, inclusive nesse momento de pandemia, no qual estamos nos questionando mais sobre o que vai acontecer ou mesmo quando tudo isso vai acabar”, revela.

Adriana explica que o estado de mindfulness é exercitado através da meditação, prática que tem tudo a ver com o corpo e com a percepção sobre si mesmo. “Em relação a ansiedade, a prática do mindfulness é excelente, pois traduz um treinamento da atenção voltado para o aqui e agora, novas habilidades de lidar com os pensamentos ruminadores, as interpretações catastróficas, o que permite uma melhora gradual nos casos de ansiedade, melhorando assim a qualidade de vida das pessoas”, confirma.

A psicóloga reforça que é importante se adaptar e se programar para realizar atividades físicas e terapias. Ela recomenda também que as pessoas também busquem se focar no que faz bem a elas, ter mais contato com quem se gosta. “Temos que lidar da melhor forma com esse isolamento social, uma fase que também pode servir para nos conhecermos melhor, não só a família e amigos, mas também para o autoconhecimento, ver o que mais você gosta, o que te faz mais feliz”, conclui.

 

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